sábado, 10 de abril de 2010

A Propósito da Leitura

Pe. Gilvan Rodrigues dos Santos*


Do seu blog, no Atalaia Agora

Li há poucos dias no Jornal da Cidade, em cujo espaço também tenho o privilégio de escrever, os artigos de Frederico Barbosa, da "Agência Brasil que lê", intitulados "Por que ler?" (I e II), respectivamente nos dias 4 e 5 de março. Assim, gostaria de, tempestivamente, enriquecer (quem sabe?) sua reflexão com outras motivações favoráveis em relação ao intento de despertar maior interesse pela leitura, sobretudo, entre os mais jovens iniciantes e os estudantes, embora isso valha para todos os interessados em aumentar sua capacidade de aprofundar o sentido não contraproducente de seu contato com qualquer instância literária.

É verdade que para quem não lê por gosto e curiosidade intelectual, a leitura pode tornar-se, não apenas enfadonha, mas, de igual maneira, um peso a mais no empreendimento acadêmico das obrigações estudantis. Habitualmente, eu costumo dizer que "a leitura é a veia poética de inspiração". Explico-me: muitas vezes, a esterilidade produtiva dos estudantes se dá pelo pouco interesse ou motivação que têm pela leitura. Quem lê mais possui maiores possibilidades de expressar suas ideias com mais categoria e critérios de discernimento na elaboração das partes do discurso. Por exemplo, com frequência descobrimos, entre os universitários, o quanto é difícil expor com clareza e raciocínio lógico a sequência normativa da colocação da palavras num corpo escrito. Com certeza, essa dificuldade nasce da falta do hábito de leitura e morre na incongruência angustiante da ausência de lucidez do próprio espírito criativo quanto ao buscar, com determinação e afinco, a progressiva superação do problema. E, aí, a gente não se pergunta mais "Por que ler?", mas, "como ler?". Então, adentramos em outro âmbito da questão. Quando a leitura não é espontânea nem motivada pelo desejo de enriquecimento cultural, e isso envolve força de vontade e disciplina, a pressão da exigência acadêmica tira o gosto e o prazer da perlustração e, de alguma forma, também condiciona o proveito que se poderia usufruir dela. Ou seja, a leitura sob pressão, não somente se torna improdutiva, mas, ao mesmo tempo, enche de impaciência e sofrimento os olhos distraídos do ledor. Destarte, penso que a leitura, verdadeiramente, deleitável, é aquela que nos permite avançar, de modo paulatino, no conhecimento da forma e do conteúdo de que está revestida a própria riqueza do voluntário entretenimento com o crescente fascínio das letras.

Outra situação deve ser considerada: dependendo do tipo de leitura e do nível do conteúdo apresentado, se ele é mais sofisticado ou não, vale a pena recorrer ao dicionário, a um bom dicionário - que, ao contrário do que alguns poderiam, pessimamente, avaliar, não é "o pai dos burros", pois, nunca vi um "burro" saber da existência do calepino, muito menos recorrer a ele a fim de lhe elucidar as incertezas vocabulares. Só os inteligentes abrem a alma ao refrigério encantador de novas descobertas!. O fato é que a preguiça circunstancial do leitor pode limitar o aprendizado intuitivo da arte de saber ler. Por isso, é que nunca devemos tentar adivinhar o significado de um vocábulo. Nada de "achismo" inconveniente na hora de identificar o alcance compreensivo dos termos na sua singularidade. Por exemplo, não pensar que "incerto" e "inserto" dizem a mesma coisa; ou que "peta" e "peta" coincidem no contexto de qualquer expressão que os envolva. Para isso serve a consulta ao dicionário. Os incipientes poderiam adotar uma metodologia muito simples que, também, me foi bastante útil nos albores primários do processo formativo do armazenamento dos caracteres da linguagem. Sempre que aparecia uma palavra nova no horizonte da lenquência - e meu leitor já pode se servir do método -, sublinhava o termo na extremidade da página, para não interromper a leitura, e logo que possível consultava o dicionário, copiando o significado em um caderno à parte. Quando por ventura, desejava recorrer ao termo esquecido, ao invés de voltar ao dicionário, relia o caderno. O mesmo vale para o estudo de outras línguas modernas. E, assim, na disponibilidade desse expediente mnemônico, ia arquivando o patrimônio do vocabulário. Hoje, quando escrevo, há pessoas que pensam que fico vasculhando o dicionário para ver que palavra colocar aqui ou ali. Pura fantasia!. Na verdade, os termos adquiridos ao embalo de leituras e releituras, passeiam com liberdade dentro de nós; eles vão e vêm, livremente, como as maretas inquietas no litoral desimpedido de nossas reminiscências.

Ainda, o leitor, atento, circunspecto e concentrado, tenta observar como as frases são construídas e como os tempos e as formas verbais aparecem nas teias imbricadas da escritura. Amiúde, deparamo-nos com elaborações literárias muito difíceis, construções que necessitam de estudos mais aprofundados, o que deve despertar em nós a necessidade de leituras, estilisticamente, mais trabalhadas e, portanto, mais exigentes. A leitura, por mais difícil que seja - pois temos autores clássicos e eruditos que nos arrancam com mais ímpeto de nosso conformismo -, deveria ser uma forma de não nos deixarmos nivelar pela mediocridade do minimalismo barato da própria ignorância. Além de tudo o que foi sobredito, sendo sempre uma fonte de cultura, a leitura forma a alma do leitor; abre muitas portas dentro de nosso espírito; educa-nos; coloca-nos em contato com o mundo imaginário que, mesmo se parcialmente, descreve a realidade. Não por acaso, de todos os animais, somente o homem tem a prerrogativa de pensar; ele é o "roseau pensant"- o "caniço pensante" - como o descreveu Blaise Pascal. Mas, apesar de o acesso ao livro custar um preço muito alto [quem puder recorra a bibliotecas] - em todo o mundo, os livros são caros -, temos de, aos poucos, tentar investir, o quanto antes, nos adolescentes e jovens para que se abram ao universo literário, mormente, incentivando-os a leituras sadias, pois, como já disseram, é o pensamento que move o mundo e, se ele for negativo, as trevas da mente podem denegrir ainda mais a dignidade humana. De fato, "os estudos da história veem, agora, talvez mais que nunca, a realidade de que o pensamento é que preside todas as ações humanas. Antes que Hitler assombrasse o mundo com sua demoníaca e estranha capacidade de perversão de um povo, antes que os fornos de Dachau queimassem a lenha viva da carne humana, e os homens servissem de campo de cultura de bactérias, foi preciso que a grande inteligência e a péssima filosofia de Nietzsche criasse, no subconsciente de uma raça, a mística do super-homem [do "Über-mann"]. Hitler não teria existido sem Nietzsche" (Dom Luciano Duarte). E esse mesmo autor continua: "Antes que Stalin se transformasse nesse cruel manejador de bonecos, que tem nas suas mãos ensanguentadas os fios de 800 milhões de vidas, foi preciso que um pensador lhe preparasse os caminhos, e que Marx, no seu "O Capital", deformasse o já deformado conceito de propriedade, substituindo um erro, o capitalismo liberalista, por outro tão funesto quanto ele: o comunismo totalitário. É o pensamento que preside as ações humanas e que, portanto, regula a vida da espécie". Eis, pois, demonstrações lucidamente concretas de que a leitura pode influenciar, positiva ou negativamente, na construção da sociedade, a partir de como os indivíduos se deixam conduzir pelo forte entusiasmo que certas literaturas exercem sobre eles.

Por conseguinte, cada um deve saber discernir, criteriosamente, as sendas que vai percorrer na edificação primordial de seu patrimônio intelectivo literário. Um bom livro é sempre um bom companheiro, e deveríamos nos habituar mais à interatividade com ele. Michel de Montaigne (1533-1592), escritor francês, disse que não viajava sem livros, nem em tempos de paz, nem em tempos de guerra, pois, não teria encontrado, sobre a terra, melhor viático para a aventura da viagem humana.

Pe. Gilvan Rodrigues dos Santos
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e escritor

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